quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Revista Educando

Santos Fagundes: “estou incluído no meio”Por Gorete Machado

Santos Eli Fagundes é um exemplo de superação para muita gente. Ele mesmo diz que sua trajetória seria um “objeto de estudo” para uma pesquisa acadêmica. Numa conversa com a equipe de reportagem da Revista Educando ele esclarece questões da inclusão, não apenas da pessoa com deficiência, mas da minoria à margem da sociedade. Natural de São Sebastião do Caí, tem 45 anos, é casado e pai de 2 filhos. Estudante de Ciências Sociais na Ulbra, ele exerce cargos importantes no cenário político brasileiro como: assessor parlamentar do senador Paulo Paim, coordenador político do gabinete do Rio Grande do Sul e articulador político do Cantando as diferenças. Confira a seguir o que pensa Santos Fagundes e como ele se tornou uma peça essencial na luta contra o preconceito e a exclusão.

O que somos – “Nós somos pessoas com deficiência visual, física, sensorial, não somos pessoas com necessidades especiais. Quanto ao programa de inclusão para pessoas com necessidades educativas ou educacionais especiais, inclui índios, negros, pessoas com deficiência e as crianças com dificuldade de aprendizagem dentro do sistema. Então sobrou pra nós, todo o preconceito que está guardado, dentro de cada um, se sentir desconfortável ao falar da pessoa com deficiência.”

Identidade – “A questão de identidade não é o que nós queremos, não queremos a “marca”. Enfatizar as pessoas como negras, índios, não! Queremos olhar para um horizonte onde todos sejam tratados de igual para igual. Chamar pelo nome, vamos dizer assim. Se infelizmente no Brasil e na América nós não conseguimos tirar o estigma, a marca, que seja estigmatizado por dentro do conceito do segmento, que é negro e não mulatinho.
Ou então as moças e moços do Brasil, ao invés de falar “juventude”. Antigamente escrevia moços e moças do Brasil. A juventude veio pra cima e disse não, nossa identidade é Juventude, ou as senhoras do Brasil. A mulheres disseram não, senhoras nós não queremos, nós queremos é Mulheres mesmo.”

Inclusão – “Temos todas as necessidades especiais que qualquer ser humano tem. A educação não pode ser especial só para as pessoas com deficiência, tem que ser especial para todos, o que nós precisamos é de recursos adequados. Temos que construir os instrumentos para inclusão de todos.Precisamos da educação, do instrumento educação, como qualquer cidadão precisa, em qualquer país do mundo. Então a educação especial precisa ser para todos.
A frase de Jesus: “Levanta-te e venha para o meio de nós”, cutucou a consciência das pessoas com deficiência e aí eles construiram as muletas, as bengalas, as cadeiras de rodas, o braile, a libras, metodologia para abordar as pessoas com deficiência mental, e também a legislação e programas para sua inclusão na sociedade. Por exemplo: Eu, Santos Fagundes, vim de São Sebastião do Caí, com minha bengala, tomei o ônibus, cheguei até aqui... quer dizer, estou incluído no meio. A dificuldade é do meio que não está preparado para toda cidadania. Pra esse terceiro milênio o desafio é a inclusão do Estado e da sociedade para todas as pessoas com deficiência. Jesus vivo, hoje, junto conosco estaria dizendo sem dúvida alguma: “Levantemos e vamos para o meio deles”. Essa é a frase do terceiro milênio.”

De quem é a incapacidade – “Se as escolas não estão preparadas para abordar com cidadania esses alunos, a deficiência está com as escolas, a incapacidade, a invalidez e a deficiência deverá ficar com a estrutura, não com as pessoas. Porque todas essas marcas foram passadas pra nós como marcas negativas, estigmas negativos. Se nós saímos a procurar nosso espaço, a incapacidade não é nossa.
Bom, a segregação foi útil, nos garantiu o básico da vida: os direitos humanos, vamos dizer assim.
Hoje, com todas as tecnologias temos que capacitar as pessoas para estar multiplicando essa idéia de fazer a inclusão. Na verdade, é provocar o Estado e a sociedade e apontar as suas deficiências. O Estado nunca encarou a questão das pessoas com deficiência de frente, por isso temos que ter as escolas especiais.”

Cantando as diferenças - “O Projeto Cantando as Diferenças vem como um instrumento provocador e está firmado em cima dos estatutos do idoso, da pessoa com deficiência e da igualdade racial, todos da autoria do senador Paulo Paim, e mais do estatuto da criança e do adolescente. O senador Paim percebeu que esses instrumentos são muito importantes e têm uma ligação direta com o ser humano. A nossa legislação está muito apegada, atrelada ao capital. Existe mais estrutura legal para construir uma praça, um poste de luz, do que construção de pessoas. Então o Senador, na sua caminhada histórica, chama as pessoas que estão envolvidas com esses movimentos, e propõe um projeto que, amarrado nas questões legais, seja também filosófico, científico e prático, desafiando o grupo de pessoas para construir uma filosofia que desse visibilidade às diferenças. Assim, nasce o Cantando as Diferenças, cantando, andando, provocando, estimulando, enfim.

Este projeto vem pra ser provocador e que reconheça politicamente as diferenças, que saia somente do respeito das leis e entre no reconhecimento político das diferenças. O Cantando as Diferenças foi discutido em cima de três eixos: culturais, sociais e individuais. O projeto foi apresentado no final de 2004 - 3 de dezembro de 2004 - Dia internacional da Luta das Pessoas com Deficiência, em Gravataí.

Por ser totalmente filosófico, não pode ser físico, senão entra na disputa natural e real, transforma-se numa ONG. O projeto vai ficar estagnado, não vai mais disputar as flores de todas as partes, todos os projetos. O Cantando as diferenças é só um perfume, uma abelhinha, que transita entre todos, distribuindo seu cheiro e seu pólen. É filosofia pura, só está na cabeça. Pode ser um livro, uma revista, uma teoria, mas não pode ser transformado em prédio, acabaria o perfume.”

Formação – “Tendo agentes políticos com olhar e ações de abordagens com cidadanias para com todas as diferenças, e saindo das lideranças institucionais, fazendo um movimento de formação. E aí não importa se é jovem ou idoso. O que queremos com isso? Que o idoso discuta o idoso mulher, o idoso negro, o idoso índio, o idoso com deficiência. Que a juventude discuta a juventude mulher, a juventude negra e faça o processo de reconhecimento político. Como é que as pessoas com deficiência podem ser felizes onde elas moram? Na zona rural, na roça, enfim em qualquer outro lugar, tem que ser um projeto que diga que todos são felizes, no espaço e no tempo que eles vivem. O que as pessoas precisam são condições favoráveis, não importa a deficiência. Para nós construirmos uma sociedade mais justa e fraterna para todos, temos que ter algumas chaves na mão, e essas chaves podem ser boa vontade e atitude.”

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